sábado, 5 de março de 2011

Jovens portadores de deficiência: sexualidade e estigma - Parte 1


Caro leitor,
Durante as próximas semanas, faremos um estudo do artigo “Jovens portadores de deficiência: sexualidade e estigma" das pesquisadoras Ana Helena Rotta SoaresI, Martha Cristina Nunes MoreiraI e Lúcia Maria Costa MonteiroII. Acompanhe, hoje, a primeira parte desse artigo.

Resumo
O presente artigo pretende ampliar a discussão sobre deficiência e sexualidade valorizando as expectativas, crenças, desejos e experiências de jovens com deficiência física. Refere-se a um recorte parcial dos dados da pesquisa de doutorado "Vocês riem porque eu sou diferente, eu rio porque vocês são todos iguais: as dimensões da qualidade de vida em jovens portadores de espinha bífida", que objetivou discutir a qualidade da vida de jovens portadores de espinha bífida em duas culturas: brasileira e norte-americana.
A percepção, interesse e problematização dos participantes em relação à sua sexualidade e seus desdobramentos na sua família, serviço de saúde e círculo de amizades motivaram um maior aprofundamento da temática e apontaram para a necessidade de abordar o conceito sexualidade de maneira englobante. Os discursos dos jovens priorizam quatro aspectos relacionados à vivência da sexualidade: (1) sexualidade e cuidado; (2) sexualidade, imagem corporal e as características desacreditáveis; (3) a sexualidade do portador de deficiência física através do olhar da violência, e finalmente; (4) a sexualidade e interrogação das informações médicas.

Introdução
Segundo Heilborn et al.1, as idéias difundidas pelo senso comum e pela mídia sustentam que a juventude deve ser protegida e disciplinada. Tal proteção se refere tanto ao que se acredita serem características próprias da adolescência, como irresponsabilidade, imaturidade, inconseqüência, quanto aos perigos da sociedade, como drogas, violência e sexo. Deste modo, observa-se ao longo dos anos a associação da juventude com as práticas de risco, relacionamentos transitórios, irresponsabilidade e vitimização. Para o jovem portador de deficiência, a questão do risco e o sentimento de insegurança florescem com maior intensidade. A relação lógica de causa e efeito entre a juventude como uma ameaça constante a si mesmo e à sociedade e a necessidade de prevenção a sua exposição a determinados fatores fica ressaltada e intensificada quando a juventude em referência foge dos padrões de "normalidade". Desta forma, busca-se tanto na família, quanto nos serviços de saúde e finalmente, na sociedade em geral, uma maneira para prevenir, disciplinar e controlar a juventude deficiente.

O imaginário social que envolve o jovem deficiente contribui para uma visão estigmatizante e limitante pautada em valores, crenças e expectativas sociais que traduzem o portador de deficiência como um incapaz, frágil e vulnerável2. As dificuldades destes jovens em exercitar seus direitos e buscar sua autonomia através da inserção e participação social efetiva dizem respeito essencialmente ao cumprimento dos direitos desta população, incluindo o direito à sexualidade. O fator de risco ressaltado no caso destes jovens se retroalimenta do pressuposto de que o indivíduo portador de deficiência é um ser incompleto sexualmente sem possibilidades ou desejos afetivo-sexuais, que deve ser cuidado, disciplinado e protegido.

Para Lhomond3, a sexualidade é um fenômeno socialmente construído, apesar de ser considerado, muitas vezes, como uma evidência "natural". A autora aborda a concepção da sexualidade como um conjunto de leis, costumes, regras e normas variáveis no tempo e espaço, que reflete o pensamento social sobre a mesma, além da maneira que a mesma é controlada e organizada pela sociedade. Segundo Bastos & Deslandes4, uma das maiores barreiras para a discussão da sexualidade de pessoas com deficiência deve-se à escassez de relatos de experiência sobre o assunto, que alimentada pelo preconceito e discriminação existentes colabora para uma perspectiva de que o portador de deficiência não tem direito a exercer a sua sexualidade. Desta forma, o desenvolvimento desta faceta fundamental para o ser humano tem sido negligenciado, silenciado e desconsiderado tanto pelas famílias de portadores de deficiência quanto pelos profissionais de saúde que atendem a esta clientela. A dificuldade da sociedade em perceber nestes jovens possibilidades de vinculação afetiva e sexual limita suas oportunidades de vida, mantendo uma relação antagônica entre a imagem dos mesmos como "não-pessoa" e o desenvolvimento da sexualidade. Esta postura de negação das possibilidades sexuais destes jovens indica que os mesmos devem ser isolados, protegidos e infantilizados.

O presente artigo pretende ampliar a discussão sobre deficiência e sexualidade valorizando as expectativas, crenças, desejos e experiências de jovens portadores de deficiência física. Acreditamos que tal proposta contribuirá para a transformação da visão limitante e contraproducente acerca desta população.

ISaúde & Brincar Programa de Atenção Integral à Criança Hospitalizada, Departamento de Ensino IFF/FIOCRUZ. Av. Rui Barbosa 716, Flamengo. 22250-020. Rio de Janeiro RJ. ahrsoares@iff.fiocruz.br

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