sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Sexualidade e paraplegia: o dito, o explícito e o oculto - Parte 1


Durante as próximas semanas, faremos um estudo do artigo “Sexualidade e paraplegia: o dito, o explícito e o oculto", da doutora Inacia Sátiro Xavier de França* e da enfermeira Adriana de Freitas Chaves.** Através deste artigo, as autoras pretendem contribuir para o desenvolvimento de ações educativas que desmistifiquem mitos e tabus relacionados a sexualidade da pessoa com paraplegia e melhorar a qualidade de vida das mulheres com essa deficiência.

Introdução
O conceito sexualidade adquire conotações diversas e em conformidade com os significados e os sentidos que lhe são atribuídos pela cultura em que as pessoas estão inseridas. Para alguns autores a sexualidade envolve as atividades sexuais biológicas, o conceito que a pessoa tem sobre sua masculinidade ou feminilidade o que influencia o modo como a pessoa reage aos outros e como é percebida por eles(1).
A tendência dos pensadores contemporâneos é considerar a sexualidade como um aspecto intrínseco do ser humano que é mais expressiva do que o ato sexual, pois inclui os componentes biológicos, sócio-culturais, psicológicos e éticos do comportamento sexual(2).

Em se tratando da Psicologia Analítica, os seus autores referem que a construção da identidade e as atitudes comportamentais das pessoas são orientadas pelos arquétipos que correspondem aos resquícios psicológicos de vivências fundamentais comuns aos seres humanos, que permanecem cristalizados no inconsciente coletivo e são repassados, indefinidamente, de geração para geração(3).

Para esses autores, a sexualidade humana, além de ser influenciada pelos arquétipos da anima e do animus, é orientada, também, pelo arquétipo Afrodite, a deusa do amor, que era adorada pelos gregos e romanos devido a sua beleza, ternura e voluptuosidade(3). A influência da estética nas relações amorosas fazia com que os gregos confeccionassem espartilhos, sutiãs meia-taça, cintas, enchimentos, modeladores, máscaras faciais e maquiagem para realçar a beleza feminina. A mulher regida pelo arquétipo Afrodite vivencia a sexualidade relacionando-se bem com os outros e especialmente com os homens(4).

A ideologia da beleza, inclusa no mito Afrodite, incute na mente de homens e mulheres que um corpo escultural é sinônimo de sensualidade e de competência sexual e que o seu poder de atração depende da sua plasticidade e da inexistência de um corpo mais encantador que o seu. Assim, aquelas pessoas que diferem do protótipo social de beleza física não são consideradas atraentes. Daí porque levantamos o pressuposto que as mulheres portadoras de paraplegia são tendenciosas a alienar o próprio corpo e a negar o prazer devido a sua aparência física e ao medo de uma intimidade maior.

As questões ligadas a sexualidade dos portadores de deficiência física extrapolam o campo social e se inserem na área da assistência em saúde. Por isso, buscamos publicações no campo da saúde voltadas para o tema "sexualidade humana". Percebemos que o número de publicações enfocando a sexualidade do homem portador de paraplegia é bem superior àquelas que retratam a sexualidade da mulher paraplégica o que reflete escassez de informação, no âmbito das instituições e dos profissionais de saúde, em especial aqueles da enfermagem, no que concerne a sexualidade feminina.

Pensamos que o fato dos estudos sobre a sexualidade masculina predominarem sobre aqueles que enfocam a sexualidade feminina decorre de várias causas: A sociedade dissemina o discurso da igualdade entre os sexos, mas permanece atuando nos moldes do "machismo". Nas décadas 80 e 90 do século passado os homens representavama maioria dos pesquisadores sobre sexualidade. Outrossim, é de senso comum que, tanto no mundo como no Brasil, os dados demográficos apresentam uma relação de quatro homens para uma mulher o que contribui para que haja mais homens "estudados".

A intenção de contribuir para o desenvolvimento de ações educativas que desmistifiquem mitos e tabus relacionados a sexualidade da pessoa portadora de paraplegia e melhorar a qualidade de vida desse tipo de cliente motivou a seleção do objeto "sexualidade da mulher portadora de paraplegia". E a eleição dos objetivos: compreender a construção de sentidos das mulheres portadoras de paraplegia acerca da sexualidade e relatar as barreiras enfrentadas por estas mulheres para vivenciar sua sexualidade.

Método
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa realizado no período de dezembro de 2002 a julho de 2003. O local do estudo foi uma Clínica de Fisioterapia de uma universidade pública. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem das pesquisadoras em 04 de dezembro de 2002 sob o no 102/02.

A investigação foi realizada com o consentimento dos sujeitos, que, após receberem informações sobre a mesma, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Participaram sete mulheres assim identificadas: Rosa, Tulipa, Hortênsia, Jasmim, Margarida, Camélia e Dália. Os dados foram obtidos através de entrevista semi-estruturada. Esse instrumento tomou por base a questão norteadora: As mulheres paraplégicas constroem sentidos acerca da própria sexualidade e enfrentam barreiras atitudinais no relacionamento com os parceiros. As questões elaboradas abordaram a percepção das mulheres portadoras de paraplegia sobre namoro, casamento, relações sexuais e orgasmo.

O material empírico foi submetido a análise de discurso(5): Transcrevemos o conteúdo de cada entrevista e procedemos a uma leitura profunda dos textos atentando para os sentidos inclusos no discurso dos vários locutores. Conforme os significados que os sujeitos atribuíram a sexualidade, os discursos foram agrupados em três eixos temáticos: I) A sexualidade não-dita e mal-dita, II) O sexo proibido e o sexo consentido, e III) A sexualidade como expressão da alegria de viver. No âmbito de cada eixo temático codificamos os recortes discursivos atentando para a convergência dos sentidos e criamos núcleos de sentidos que foram analisados articulando-se os recortes das formações discursivas, inclusas nos núcleos de sentidos, com as enunciações dos pensadores de vários campos do saber, conforme as exigências da interpretação.

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