sábado, 25 de junho de 2011

Crianças com deficiência liberam a criatividade nas artes E, com isso, elas ganham mais espaço no mundo

Alex Rodrigues de Oliveira não conseguia, aos 5 anos, falar nem se relacionar com as pessoas. Parecia uma criança autista até ter contato com as tintas numa escola especial em que estudava, em Belo Horizonte. Ficou fascinado com os muros grafitados da escola e com a atividade de colorir os seus papéis. “No início, pintava toda a folha da mesma cor. Ficava bonito, mas não dizia nada dele. Depois, passou a contar histórias do seu dia-a-dia na pintura”, conta a terapeuta ocupacional e artista plástica Daniela Paulinelli Rodrigues Freitas. Com a ajuda dela e de outros profissionais que o acompanhavam, ele voltou a falar, começou a escrever, a cuidar da aparência, tornou-se sociável e participativo. Os médicos concluíram que ele sofria de um distúrbio psíquico, que o fez se recolher do mundo por algum tempo. “Meu filho descobriu um meio de expressão, um jeito de se entender e se adaptar ao ambiente em que vive.O muro da nossa casa ganhou novo visual com a arte do Alex”, comemora a mãe, Mara de Lourdes Rodrigues de Oliveira.
Despertar a criatividade não é só uma forma de terapia no tratamento de crianças com deficiência. Trabalhos desenvolvidos em instituições mostram que investir nessa criatividade pode despertar grandes artistas. Na Associação Rodrigo Mendes, em São Paulo, desde 1994, pessoas com ou sem deficiência, a partir de 14 anos, ingressam no mundo das artes plásticas, com cursos de desenho, pintura, gravura, modelagem e escultura. O seu fundador, o artista plástico Rodrigo Hubner Mendes, aprendeu a pintar com o pincel na boca aos 19 anos, depois de ter ficado tetraplégico em um acidente. “A atividade artística sempre ajuda. A pessoa se sente produtiva e também pode ter um retorno financeiro”, diz ele.


No ritmo
Na música, a criança também mostra a sua arte, derruba limites e preconceitos. Gabriel Fernando, 8 anos,que é deficiente visual, encontrou uma forma de se comunicar pelos sons. Ele não tinha problemas coma fala, mas, aos 2 anos, por ciúme do irmão que estava para nascer, resolveu emudecer. “Voltou a pronunciar as palavras aos 5, quando o irmão aprendeu a falar. Nesse intervalo, batucava objetos e fazia sons com a boca”, diz a mãe, Fernanda Silva.
Aos 7 anos, Gabriel foi alfabetizado em braile e, seis meses depois, entrou na escola de música. Agora já distingue as notas que tira de cada objeto ao batucá-los. “É uma criança precoce. Aprendeu em seis meses o que qualquer um leva anos. Tem ritmo próprio e facilidade. É uma promessa de grande compositor”, aposta a professsora de musicografia em braile Dolores Tomé, da Escola de Música de Brasília. Gabriel toca, gaita, piano e teclado, sem ter aprendido na escola. Agora quer fazer sua autobiografia. “Quero escrever sobre mim e a música”, planeja o garoto. As palavras deram movimento à vida da escritora Maria Cristina Rossi, a Thalita, 52 anos, que só mexe os olhos e os dedos das mãos. Desde criança, ela é portadora de uma doença não diagnosticada que foi tirando sua mobilidade progressivamente. “Eu devorava os livros do meu pai. Escrevia cartas para mim mesma contando histórias”, lembra. Thalita alfabetizou-se aos 4 anos, com 7 aprendeu italiano e aos 14, inglês. Tudo sem nunca ter saído de casa. Foi para a escola aos 31 anos e se formou em Psicologia. “Minha mãe me protegia muito. Tinha medo de que eu saísse de casa e me machucasse.” Ela lançou em 1999 o livro A História de Nita, que Era Diferente. “Fantasiei minha vida num conto de fadas”, define.


Reconhecimento

Como qualquer pessoa, a criança com deficiência precisa do reconhecimento do seu trabalho.“ Quando cria, ela deixa sua marca. É uma forma de garantir espaço na sociedade”, afirma a terapeuta ocupacional Anna Anita Tarasiewicz, que há 33 anos trabalha com deficientes. As instituições de crianças especiais oferecem atividades variadas, mas nem todas trabalham além da reabilitação. Fazê-las in-vestir na divulgação do produto artístico é o objetivo do Very Special Arts, um programa de valorização do artista com deficiência, apoiado pelo Ministério da Cultura. “A obra não pode ficar só nas instituições. Que ganhe espaço nas galerias e palcos”, defende o escultor com deficiência física Fernando Machado, coordenador do programa em São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário