domingo, 3 de abril de 2011

A Reinvenção da sexualidade na paraplegia adquirida - parte 2

Caro leitor do blog Deficiente Ciente,
Dando continuidade ao artigo “A reinvenção da sexualidade masculina na paraplegia adquirida” dos professores Luiz Carlos Avelino da Silva* e Paulo Albertini,**afirmam os autores:

“Num dos poucos artigos que encontramos em que a condição masculina é pensada tendo em vista o uso de cadeira de rodas, Melo (1986) observa que é no confronto com os papéis sociais atribuídos aos homens que se localizam as maiores dificuldades de ser homem e ter uma deficiência física. Vale a pena reproduzir a cena narrada, tanto pelo seu caráter patético, como pelo que ela elucida.
Uma família comum de classe média, como muitas outras, foi passar um fim de semana em um sítio.(MELO, 1986, p. 79)
Na hora em que se preparavam para deitar, eis que surge, dentro da rústica casa em que se alojavam, um perigoso agressor: um rato. A mulher dá um sonoro alerta, corre com as crianças para fora da casa e de pronto convoca o marido para cumprir sua missão histórica de defender a família das ameaças externas. Rapidamente, como qualquer macho que se preze, o marido pega uma vassoura para esmagar o insólito inimigo. Tudo seria fácil e natural, se este protetor não fosse um deficiente físico em cadeira de rodas! Entretanto, neste caso, como matar o pequenino roedor, se a mesma mão que é necessária para segurar a vassoura também é necessária para deslocar a cadeira de rodas e perseguir o agressor? Depois de longa e difícil disputa, de muito pega e solta vassoura, de muito pega e solta a cadeira de rodas, e de inúmeras e frustradas tentativas, o marido aliviado pode exibir o pequeno roedor morto, como símbolo de sua masculinidade e do cumprimento de seu papel de forte e protetor da família – do macho.
Segundo Nolasco (2001b), a representação do universo masculino está em crise. “Tarzan”, arquétipo do herói viril e lutador, já teria começado esse século decrépito e o gordo e derrotado “Homer Simpson” seria o protótipo do homem médio, o oposto da virilidade e sedução. Para o autor, os homens estão expostos a um tipo de morte: o fim da sua representação social. Em suas palavras: “A masculinidade como uma representação social entrou em decadência. Na transição para o indivíduo moderno, tudo aquilo que simboliza o mundo dos homens sucumbiu” (NOLASCO, 2001a, p.12).
Entre os muitos aspectos passíveis de abordagem a respeito da sexualidade dos homens com paraplegia, a ênfase tem recaído principalmente sobre a ereção e a ejaculação, no que está implicada a idéia de virilidade e fertilidade, como vimos. Essa leitura da sexualidade masculina fica evidenciada, por exemplo, no fato de ser uma causa aceitável para a anulação de compromissos matrimoniais a não consumação do coito, tanto por tribunais civis quanto católicos, como mostra o romance O Belo Antônio, de Brancati (1987).
Maior (1988), empenhada em uma compreensão que vá além da fisiologia, contesta a idéia de que a ausência de sensibilidade nos genitais está associada à indiferença ao sexo. Ela argumenta com a possibilidade do cérebro poder atuar, independentemente da genitália, na gênese da experiência erótica e indica a satisfação que lesados raquimedulares relatam por despertarem o desejo e a satisfação em seus parceiros. Em suas palavras: Na pessoa com lesão medular o impulso sexual está integralmente preservado; poderá permanecer oculto no desequilíbrio emocional subseqüente à lesão, porém todos os pacientes, dentro de poucas semanas ou meses, terão sua atenção voltada para o sexo (MAIOR, 1988, p.16)
Salimene (1995), que pesquisou a sexualidade dos paraplégicos e se deparou, como Faro (1991), com os estereótipos da masculinidade, afirma que as pessoas com paraplegia necessitam de ajuda na reconstrução de sua identidade sexual, apontando para a necessidade da elaboração de uma nova imagem corporal, recuperação da auto-estima e reconstituição da identidade sexual. Advogando a sexualidade dos paraplégicos a autora escreve: Existe a idéia pré-concebida de que o corpo fisicamente limitado será também um corpo sexualmente limitado [...] o que ainda pensa o senso comum é, na verdade, que a manifestação da sexualidade, a obtenção do prazer, inexiste para os portadores de deficiências físicas: o preconceito como valor cultural cristaliza a idéia de que a pessoa portadora de deficiência é assexuada. (SALIMENE, 1995, p. 39)
Para a autora, a visão da sexualidade masculina como instrumento de dominação e poder prejudica de modo mais severo as pessoas com deficiência. Em defesa destas, ela argumenta que, se as limitações físicas e funcionais são inegáveis, deve-se compreender a sexualidade em sentido amplo, e que as emoções que marcam a existência dessas pessoas permanecem.”
*Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Rua Dr. Luiz Antônio Waack, 1050, Uberlândia – MG – CEP: 38402-030.
**Professor Doutor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Endereço: Rua José Getúlio, 506, apto 81-A, Aclimação, São Paulo – SP – CEP: 01509-000.

Fonte: Revista do Departamento de Psicologia, UFF vol.19 no.1 Niterói 2007

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